03 novembro 2007

FRAGILIDADE

Tentar identificar em toda parte, como eu faço, nossa fragilidade profunda, não significa que as outras forças que nos compõe e nos agitam sejam negligenciadas ou rejeitas. Seria um absurdo. Quer se trate da nossa agressividade, nossas pulsões de vida e morte, do apetite, da possessão, do gosto pela dominação e pelo poder, todos essses elementos existem, assim como seus contrários: a compaixão, a ternura, a modéstia, o gosto pela renúncia, pela submissão e pelo sofrimento (...)

Em um domínio contudo, essa fragilidade parece ausente: no desejo sexual e no ato que o satisfaz. Talvez na atração preciosa, na união quase divina, quando os dois parceiros encontram nela o seu prazer (prazer simples, que ocorre geralmente sem acessórios, que não requer senão dois corpos nus para nos invadir), talvez deixemos de lado por um momento a matéria frágil e ameaçada que nos compõe. Talvez até, por uma vez, tiremos proveito dela.

E não somente porque podemos desse modo trasmitir vida, dar nascimento a outros individuos, que serão tão frágeis e expostos como nós, mas antes de mais nada e sobretudo, porque esse prazer compartilhado nos eleva acima de nossas inquietações, nos faz penetrar num território onde as tocaias foram abolidas, onde nosso medo se apaga, onde uma força subtamente descoberta, a do gozo, nos fornece sobre uma almofada de seda as chaves do ser.

Jean Claude Carriere - Ensaio sobre a Fragilidade - Editora Objetiva

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